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domingo, 25 de julho de 2010

Uma Sombra




Fergi Cavalca

Estava posto em silencio,
Em prece, em oração...
Quando u'a mão me tocou
Nos ombros suavemente.
Vislumbrei, ou só senti
Um vulto, lembrando um véu
Tênue, diáfano, leve...
Entretanto, tinha olhos
E estes me verrumavam
No âmago de minh'alma.

Lendo meus pensamentos,
Mergulhando em meu espírito,
Espalhou pelo meu corpo
Fluidos mornos, sadios.
Não senti medo da sombra
Pois sua presença, cálida,
Mostrava que vinha apenas
Satisfazer-me a vontade,
Pois era pelos coitados
Que eu orava ao pé da cruz.

-- Vem comigo -- disse o vulto,
E tomando das minhas mãos,
Juntos alçamos vôo
Em busca do infinito.
Trêmulo, receioso,
Cheio de ânsiedade,
Segui o fantasma. E corria
Com a rapidez do pensamento,
Que das coisas que existem
É a mais veloz, mais sublime...

Subimos sobre a cidade,
Mas a cidade dos mortos...
Uma atroz melancolia
Carregada de tristeza,
Eivada de amarguras,
Constrangia o coração.
Escuridão e abandono
Nas avenidas estranhas,
Onde os mortos desfilavam
Ao som de roucos lamentos.

Não havia um vivente!
E todos que ali estavam,
alguma dor carregavam
Dentro das suas almas.
Homens velhos ou mulheres,
Jovens, meninos, adultos,
De seus semblantes marcados,
De seus suspiros profundos,
A mágoa e o desespero
Brotavam expontaneamente.

Era noite e pelos becos,
Retorciam-se as sombras!
E seus gemidos pungentes
Subiam aos nossos ouvidos.
Senti um nó na garganta,
Meu coração se indagava:
-- Porque este sofrimento
Tão cruel, tão doloroso,
Que brota do peito fundo
Deste seres desgraçados?

Respondeu-me o espectro
Com a voz profunda e grave:
-- São eles a dor do mundo!
Em cada guerra que cresce,
Em cada crime que nasce,
Nas violências da vida,
Na crueldade do homem,
No jugo, na tirania,
Que ferem a liberdade
Como satânico algoz.

-- Nos caminhos sem amor,
Do engano e da hipocrisia,
Da perfídia e traição,
Da avareza e da inveja,
Do orgulho e da vaidade,
Estes seres doloridos,
Fizeram de suas vidas
Pelo livre arbítrio da alma,
Seu inferno, sua mágoa,
Suas lágrimas, seu castigo.

--Apenas suas consciências
Os põe neste sofrimento!
O remorso ao ver perdido
O tempo de suas vidas!
Mas agora, enquanto choram,
Liberam seus sentimentos.
E se arrependem! Por isso
Nova chance, nova vida,
Será por fim concedida
Para então se redimirem.

-- A Lei da Causalidade,
Tão sublime e verdadeira,
Atrela a seus destinos
O Carma que foi traçado.
Mas outra oportunidade
Renova os votos que um dia
Juraram cumprir na Terra.
É a grandeza de Deus
Manifesta na benção
Maior da reencarnação.

-- Cada alma que procura
Sair destas ânsias vãs,
Vai em busca de virtudes,
De paz profunda e Amor.
Aprende na alquimia
Que purifica seu íntimo,
Que a dor também é cadinho.
Fusão de Alma e Amor
Trazem a felicidade
Da esperança e dos sonhos.

-- É preciso que no íntimo
Cada ser que evolui,
Sinta a grande verdade
Que se mostra nas lições.
Deus é o maestro que rege
Com as leis da natureza,
A orquestra universal.
Mas não esquece de nada,
Seja homem ou animal,
Vegetal ou mineral.

Nesta cidade de dores
Só ficam os arrependidos.
Os que lavaram em lágrimas
Sinceras do coração,
Os erros já cometidos.
O remorso os guiará
Para nova chance, talvez.
Aqui eles pedem perdão
E vão receber justiça
Na bênção da nova vida.

Vão ter oportunidades
De resgatar suas faltas.
Porém, muitos se perdem
No rumo de seus caminhos.
O sofrimento de agora
Breve será esquecido.
E a nova oportunidade
Transformar-se-á em dívida,
Que somada a outras dívidas
Formam o Carma do homem.

Somente pela virtude
Poderão ser ressarcidos
No tempo do vir-a-ser.
Por grande amor ao próximo,
Nas bases da Caridade,
Construirão uma aura
Mais luminosa e sadia.
Isso trará melhor sorte,
Menos débito, mais haver,
Na conta que vão prestar.

E assim falou o Anjo,
Pousando-me novamente
Na cadeira onde a prece
Eu elevara ao além.
As lágrimas escorriam
pelo meu rosto marcado.
Não seria mais o mesmo
Pois tinha visto com a alma
A dor e a consolação
Que carregamos na vida.

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